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O “Quase Tratado” Global dos Plásticos

O “Quase Tratado” Global dos Plásticos

Por: Marcelo Souza – Presidente do INEC – Instituto Nacional de Economia Circular

A sexta rodada das negociações para um tratado global de combate à poluição plástica (INC-5.2), realizada em Genebra, terminou sem consenso. O processo, que vinha sendo comparado em importância ao Acordo de Paris para o clima, foi marcado por impasses políticos e pelo recuo de países-chave, incluindo o Brasil. Após 11 dias de discussões, as delegações deixaram a mesa sem um texto final, frustrando expectativas de avanços concretos. O presidente do comitê, pressionado por divergências internas e incapaz de costurar um consenso, anunciou que deixaria o cargo, simbolizando o colapso das negociações.

O fracasso reflete um embate central: de um lado, mais de 100 países favoráveis a incluir metas obrigatórias para reduzir a produção global de plásticos; do outro, potências petrolíferas e aliados – entre eles Arábia Saudita, Rússia, Estados Unidos e, mais recentemente, o Brasil – que defendem medidas voluntárias e condicionadas à disponibilidade de financiamento. Essa postura, alinhada a interesses econômicos, ignora a urgência ambiental e mina a ambição das metas propostas.

Enquanto o acordo global emperra, a poluição plástica continua a crescer em ritmo alarmante. Estima-se que 8 milhões de toneladas de plástico cheguem aos oceanos todos os anos, formando extensos aglomerados conhecidos como “ilhas de plástico”, como a Grande Mancha de Lixo do Pacífico, que já ultrapassa 1,6 milhão de km². Esses resíduos afetam ecossistemas marinhos, prejudicam a pesca e comprometem o turismo costeiro. O problema, porém, vai muito além do visível: microplásticos, fragmentos com menos de 5 mm, já estão presentes em todos os ambientes, do topo das montanhas ao fundo dos oceanos, e até no ar que respiramos. Pesquisas indicam que entre 15 e 51 trilhões de partículas flutuam nos mares, pesando entre 93 mil e 236 mil toneladas. Estudos recentes detectaram micro e nanoplásticos em tecidos humanos, como placenta, sangue e cérebro, levantando preocupações sobre impactos à saúde.

A escala da produção é outro ponto crítico. O mundo fabrica cerca de 400 milhões de toneladas de plástico por ano, acumulando mais de 9,2 bilhões de toneladas desde 1950. Projeções da OCDE apontam que, sem medidas mais rígidas, a produção poderá triplicar até 2060, chegando a mais de 1,1 bilhão de toneladas anuais. O Brasil ocupa a quarta posição no ranking mundial de geração de resíduos plásticos, com 11,3 milhões de toneladas por ano – o equivalente a 1 kg por habitante por semana. Apesar dessa magnitude, a taxa de reciclagem brasileira é de apenas 4%, abaixo da média global de menos de 10%. Há exceções pontuais, como as embalagens PET, cujo índice de reciclagem atingiu 56,4% em 2021, mas no geral o país ainda carece de infraestrutura, políticas públicas e integração de cadeia para ampliar a reciclagem.

A ausência de um acordo global agrava a incerteza para investidores e indústrias comprometidas com a economia circular. Segundo a Business Coalition, que reúne mais de 300 empresas, a falta de metas e regras harmonizadas desestimula a mobilização de recursos e retarda a adoção de soluções já testadas. Nos últimos três anos de negociação, houve avanços no mapeamento de elementos essenciais, como o banimento de plásticos perigosos e descartáveis, a melhoria do design de produtos e a harmonização da responsabilidade dos produtores. No entanto, com o Brasil fora do bloco que apoia essas medidas, perde-se não só relevância diplomática, mas também oportunidades econômicas e tecnológicas.

O custo da inação é elevado. Um relatório publicado na The Lancet estima que a poluição plástica cause prejuízos à saúde humana da ordem de US$ 1,5 trilhão por ano, afetando desde o desenvolvimento infantil até a saúde de adultos. Ao priorizar uma abordagem tímida e voluntária, o Brasil se arrisca a ficar à margem das novas cadeias globais de valor, que cada vez mais exigem padrões ambientais elevados como condição para comércio e investimento.

O “Quase Tratado Global dos Plásticos” mostra que o desafio não é apenas técnico ou logístico, mas profundamente político. É preciso que o Brasil, e o mundo, deixem de tratar o plástico como um problema periférico e passem a encará-lo como questão estratégica de saúde pública, proteção ambiental e competitividade econômica. Com mais de 100 países já comprometidos com metas ambiciosas, a liderança e o compromisso são agora, mais do que nunca, uma urgência global.

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